segunda-feira, 24 de maio de 2010

Entrevista de Pedro Faria no Jornal de Barcelos

Pedro Faria, vice-presidente do Óquei Clube de Barcelos
“Tenho a obrigação moral de não abandonar”

O rosto mais visível do dirigismo do Óquei Clube de Barcelos, na actualidade, o demissionário vice-presidente Pedro Faria, concedeu uma entrevista ao Jornal de Barcelos, quando o clube vive a sua maior crise de sempre. As dívidas de um milhão de euros, o vazio directivo (falta de “gente para trabalhar”) e a criação da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) são alguns dos temas mais pertinentes. O dirigente aborda ainda a época desportiva, que acabou por ser salva com a manutenção na I Divisão, e diz estar a construir a próxima temporada.

Por que voltou a demitir-se, nesta altura?
Já o tinha feito quando foi a assembleia e foi-me pedido para não o fazer. Na altura, reuniu-se novamente um grupo de trabalho, mas as condições não foram reunidas. Nesta altura, como não punha em causa a manutenção nem a constituição da SAD, bati com a porta, porque não havia condições para trabalhar. Não havia gente, não valia a pena continuar.

Mas continuou com o clube…
Não continuei, estou demitido, só que, enquanto não houver assembleia, tem que se gerir os destinos do clube, não podemos abandoná-lo. Há quem simplesmente o abandone, mas devido ao compromisso que tenho com os jogadores, um compromisso de amizade, não ia deixá-los ficar no deserto total.

E para quando haverá uma assembleia?
Só o presidente da assembleia [José Augusto Vilas Boas] é que pode dizer o que vai fazer dos destinos do clube. Só ele é que tem autonomia para o fazer. Segundo o estatuto geral de demissões, as pessoas têm que fazer a gestão ordinária do clube, até haver uma solução. E é isso que eu e as pessoas que saíram comigo estamos a fazer.

Então o Pedro Faria, neste momento, no clube, que funções desempenha?
Nenhuma. A única função que tenho é a obrigação moral de não abandonar o clube, não abandonar os jogadores, porque eles não têm mais ninguém. E não os vou deixar sozinhos.

O Óquei está abandonado? Não tem gestão?
A gestão continua a ser feita em questões corriqueiras: marcar jogos, pagar facturas à federação, tentar arranjar dinheiro para pagar aos jogadores. Continuamos a fazer o apoio desportivo até o presidente da assembleia arranjar uma solução.

Não devia ter sido já criada uma assembleia?
O presidente da assembleia tem trinta dias para criá-la. Nós temos responsabilidades, não podemos chegar lá e dizer que vamos embora. Temos que assegurar o clube até uma próxima assembleia. Nós não viemos embora porque não havia ninguém para tomar conta daquilo, nem para dar os bolos e os sumos aos miúdos. O grande mal desta direcção é que 80% das pessoas andam lá para aparecer nas fotografias.

E é possível um clube sobreviver nestas circunstâncias?
Não, não é possível. Ele vai sobrevivendo à custa de muito esforço.

Há uma auditoria bastante pesada para com as direcções anteriores, nomeadamente de José Carvalho e José Augusto Vilas Boas.
A auditoria é pública, agora se é ou não pesada… Existem problemas, mas os problemas não se podem meter na gaveta, têm que ser resolvidos, e é preciso haver gente para os resolver.

Qual é a gravidade desses problemas?
São graves. Há dívidas avultadas, mas tem que se resolver os problemas. Tem que haver gente para trabalhar. Não podemos metê-los na gaveta. Por isso, não faz sentido continuar com este grupo de trabalho, porque se as pessoas não aparecem, não têm disponibilidade, então não faz sentido estarem lá.

Está disponível para continuar?
No Óquei, não.

Está disponível para quê?
Para a SAD.

E porquê a SAD e não o Óquei?
Tem que se separar o Óquei e a SAD. Tem que haver um grupo de pessoas para gerir e resolver os problemas do clube e outras pessoas só para se preocuparem com a SAD. O Óquei tem participação na sociedade e tem que ter alguém ligado à administração.

O PEC continua a ser pago?
Não.

Porquê?
Na segunda fase da inspecção tributária, teve que escrever-se tudo de novo. Quando o Óquei foi tributado teve que se fazer de novo o PEC, rever a forma como o clube ia arranjar fundo de maneio, que não há.

Em que sanções incorre o clube pelo não cumprimento desse plano?
Penhoras.

E que património há para penhorar?
O clube fica bloqueado perante os seus patrocinadores, perante os subsídios…

O Óquei deve cerca de um milhão de euros, o clube tem como pagar isto? A falência é um cenário possível?
Isso não. Há clubes a dever muito mais. O Óquei tem viabilidade, mas precisa de ter pessoas a trabalhar nele. Quando um clube tem apenas três ou quatro pessoas, essas pessoas trabalham na área desportiva. Tem que haver outras pessoas para fazerem o trabalho de secretaria.

Em que fase está a SAD?
Está na fase de criação de imagem, dos layouts, da apresentação. Fizemos um protocolo com o IPCA, que está a tratar dessa parte. Até 30 de Junho será apresentada.

Como é que explica que, há pouco mais de um ano, houvesse umas eleições tão participadas e agora não haja pessoas para trabalhar? Desse interesse todo como é que se passa para este vazio?
Não consigo perceber. Essa assembleia tinha 300 ou 400 pessoas, agora fazem-se assembleias com 24 sócios, como a última. As pessoas reclamam, falam na praça pública, mas, nas assembleias, que é onde devem falar, não aparecem. É um desinteresse total.

Quantos sócios tem o Óquei?
Cerca de mil, mas pagantes são cerca de 300 a 400.

A receita publicitária e o apoio dos patrocinadores diminuíram…
Muito, mas os custos também, e bastante.

Mesmo assim, a receita é suficiente para fazer face às despesas?
Neste momento, vai-se doseando. A receita é muito limitada. Vai sendo a boa vontade dos amigos do clube e de algumas pessoas que injectam dinheiro. Fala-se muito nos jornais que o Óquei deve salários…

Mas não deve?
Temos ordenados em atraso. Mas nem um mês…
Que receita o Óquei precisa mensalmente?
O Óquei necessita de uma receita anual de 200 mil euros, para manter o plantel actual. Mas para pagar as dívidas precisa de muito mais.

Este descalabro financeiro deve-se a quem? Como é que o clube chega a uma posição de quase não retorno?
Eu não estava no Óquei nessa altura, não sei o que se passou.

Mas entretanto passou por lá e apercebeu-se.
Não sei como é que isso pôde acontecer. Sei que houve muita gente que passou por lá e que deixou muito dinheiro e não quiseram reaver essas dívidas. Imagine como é que estava o clube se essas pessoas quisessem reaver o dinheiro. Eu trabalhei com o José Augusto Vilas Boas, ele era credor e assinou uma declaração a dizer que não queria o dinheiro de volta.

Num âmbito mais desportivo, o Óquei estava em último no Natal, agora recuperou e tem a manutenção assegurada. O plantel surpreendeu-o? Tendo em conta que são jogadores jovens como Hugo Costa, Zé Pedro…
Quando construí o plantel já sabia o valor deles. Muito já vinham dos juniores. A equipa levou o seu tempo; treinador novo, métodos novos, mas sabíamos que mais tarde ou mais cedo ia dar resultado. Começaram a trabalhar mais tranquilos e começaram a assimilar as ideias do treinador. Quando fomos buscar o José Fernandes, sabíamos que tínhamos que ir buscar alguém com aquela classe para pôr os miúdos a rolar. E, hoje em dia, deve ser o clube que tem mais jogadores a serem cobiçados.

Por falar em jogadores cobiçados, quais do actual plantel estão confirmados para a próxima época?
Quase todos. A maior parte tem contrato, são da formação. O técnico está a ver onde quer dar um retoque, mas é cedo para tratar desse assunto. A ideia continua a mesma, ser uma equipa com 60 a 70 por cento de formação. Os guarda-redes, o Chumbinho, o Zé Pedro e o Xixa têm contrato.

O Óquei está a pensar ir ao mercado?
O José Fernandes diz, com muita razão, que os que vierem têm que ser melhores que os que temos. Se tivermos capacidade financeira para o fazer e se eles vierem ajudar o clube, é lógico que vamos ao mercado. Temos que fazer ajustamentos que o técnico já nos disse quais eram. Já disse quem queria e agora estamos a falar com as pessoas.

E quem são essas pessoas?
É muita gente. Tenho uma lista de 20 jogadores, por isso… Para escolher dois, imagine. Ainda não há nomes. Mais ou menos temos uma ideia. Eu quero os melhores, mas isso é impossível. Os melhores estão todos no Porto, já estão assinados. A querer, queria o Reinaldo Ventura e o Cacau. Eles a porem a bola para estes miúdos correrem, aquilo era uma máquina de jogar hóquei.

E aquela possibilidade que se falava dos irmãos Bertolucci?
Não faz sentido nenhum. Os Bertolucci são excelentes jogadores, é lógico que se virmos pela parte de chamar pessoas ao pavilhão, eles eram uma grande aposta, mas o Óquei não tem capacidade financeira. Se aparecer alguém disposto a pagar, eles são bem-vindos.

E a questão do contrato com o José Querido?
Se houvesse um contrato com o José querido ele era o treinador do Barcelos.

Mas preferia o José Querido ao José Fernandes?
Não. São os dois bons técnicos. O José Fernandes, depois de muita gente ter recusado assumir esta equipa, teve a coragem de o fazer. Acreditou em nós, acreditou na equipa e é um senhor do hóquei em patins. São os dois, uns senhores do hóquei em patins.

O José Fernandes é o treinador ideal?
É o treinador ideal para este projecto. As provas estão dadas e tem mais um ano de contrato.

Há um ano falou que era necessário limpar o clube, conseguiu?
O clube está limpo, não está lá ninguém…

Mas na altura o que queria dizer com “limpar”?
Quando eu disse isso, as pessoas pensaram que havia gente a aproveitar-se do clube. Mas limpar o clube tem a ver com as pessoas terem que arregaçar as mangas e trabalhar. É esse o sentido: ter uma equipa para trabalhar. Há muita gente que saiu e que faz falta ao clube. Uma coisa é certa, eu tenho a consciência tranquila. Quando me pediram para continuar, para retirar a carta de demissão, fiz o que foi combinado - eu e outros que se demitiram comigo: o António [Gomes], o Nélson [Araújo], o Duarte e outras pessoas. Concordo que isto é uma cowboiada, uma palhaçada autêntica. Além de que brincam connosco também, porque acabamos por andar sempre os mesmos.

Em relação a Vítor Silva e André Torres, pode dizer-se que eles deixaram um importante legado no Óquei?
São dois bons treinadores. O André é meu amigo, é uma pessoa que gosta muito do Óquei e é um excelente treinador. Posso dizer-lhe que houve aquelas confusões de despedimentos, SMS e não sei quê, mas ele não saiu em divergências comigo. Quando as notícias vieram a público já não havia divergências.

Mas não falou do Vítor Silva…
Ainda falo com ele muitas vezes ao telefone. É um grande treinador. Serviu o clube 20 anos, como jogador e treinador. Foi um grande exemplo para as camadas jovens.

Então não está fora de questão voltar a trabalhar com eles?

Enquanto trabalhámos juntos, tivemos desavenças, como é normal, mas houve sempre profissionalismo e lealdade. Os jogadores e treinadores que saíram daqui foram sempre leais. Se proporcionar-se um dia voltarem a Barcelos, não serei um entrave. Eu gostava de ver, um dia, o André Torres a treinar os seniores do Óquei de Barcelos. Tenho com toda a gente que passou por cá uma relação de amizade.

Voltando um bocado ao início, o Óquei é um clube à deriva?
O Óquei não é um clube à deriva, porque as pessoas que se demitiram ainda têm o bom senso de continuar lá, até alguém arranjar uma solução. E porque a Câmara tem-nos dado muito apoio.

Que tipo de apoio?
O que pode dar. O Óquei não pode receber subsídios do Município, mas eles têm-nos acompanhado e posso dizer que se neste momento a Câmara não estivesse ao nosso lado, das pessoas que estão cá a trabalhar, o Óquei de Barcelos era um clube à deriva, os jogadores andavam sozinhos. O protocolo com o IPCA, na criação da SAD, foi feito através da Câmara. Tenho recebido um apoio enorme do executivo.

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